sábado, 30 de maio de 2020

Voltaremos para nossas Aldeias?!

Por: Antonio Otaviano Vieira Junior (UFPA)

Frei José de Madalena da Ordem do Carmo, ainda no século XVIII, foi um dos primeiros a utilizar inoculação no combate a varíola no Grão-Pará. A inoculação era um método simples e baseava-se na contaminação induzida a partir do pus das feridas de doentes. José de Madalena, como religioso na Amazônia da década de 1740, se deparou com uma sequência de surtos na região, o que lhe ampliou a preocupação com a mortalidade de índios sob a administração dos carmelitas. Esses índios viviam em missões, após “descerem” das suas aldeias eram submetidos a uma educação religiosa católica, obrigados a falarem português e também utilizados como mão-de-obra por religiosos e colonos. E mais, ainda conviviam com as doenças trazidas pelos brancos, como a varíola e o sarampo. No dia 02 de setembro de 1750, o frei José de Madalena fez um levantamento dos índios mortos pelo “contagio do sarampo” nas missões dos carmelitas. A contagem foi nos rios Negro e Solimões (área de ação dos carmelitas), onde foram quantificadas as mortes e “deserções” em 17 missões. O total de mortos pela epidemia é assustador: 2.288 índios mortos. No entanto também é igualmente alarmante o número de “desertados”, expressão utilizada pelo religioso para designar índios que fugiam do contágio: 345 “desertados”. Foram indígenas que com o medo da doença fugiram para outras localidades, em geral voltando para suas aldeias e povos. Assim, esses “desertores” intensificavam a circulação do vírus, alcançando lugares mais dentro da floresta e longe das vilas dos brancos e olhares dos religiosos.Hoje em tempo de covid-19 e na dificuldade de “desertarmos” fico imaginando se a abertura de shoppings e o retorno às aulas agendado para 01 de julho, pela Secretaria de Educação do Pará, não seria a parcela de contribuição do Estado para uma possível intensificação do contágio... voltaremos para nossas aldeias?!

terça-feira, 19 de maio de 2020

Sopa de Morcego...

Por Antonio Otaviano Vieira Junior (UFPA)

Ao longo do tempo percepções sobre epidemias tem explicações que posteriormente são consideradas, no mínimo, curiosas. Em 1683, Romão Mosia Reinhipo (pseudônimo de Simão Pinheiro Mourão) associou a causa da varíola e do sarampo ao “sangue menstruo, de q no ventre de nossas mays nos sustentamos, que como he alimento tão perverso [...] q do sangue menstruo mais delgado se faz o Sarampo, & do mais crasso as Bexigas...”. Ainda segundo Romão Reinhipo, a passagem de um cometa em 1664 foi a causa da intensificação das possibilidades de aparecimento das bexigas e do sarampo, pois estas doenças supostamente viriam do aquecimento do sangue: “do nosso Brasil seja naturalmente quente & húmido, mais capaz para estes fervores, junto com o incêndio do Cometa, faz mais estes efeitos nesta America com estes fervores”. Em 1776, o médico do rei Carlos III da Espanha, Antonio Perez de Escobar, registrava que o sarampo e a varíola se propagavam “en forma de vapor”. Tais explicações podem esconder depreciações sociais. Seriam as mulheres culpadas por epidemias ou seriam os nativos e moradores de regiões mais próximas da linha do Equador os mais propensos às doenças? E hoje, em pleno século XXI, ainda paira sob nós o medo de um complô chinês baseado em sopa de morcego. Parece que o tempo não passou tanto assim... quando pensamos as epidemias!

sexta-feira, 15 de maio de 2020

O problema dos números: as estatísticas de mortalidade em perspectiva histórica

Por Daniel Souza Barroso (EAUFPA)

Em um boletim divulgado às 19h do dia 14 de maio de 2020, a Secretaria de Estado de Saúde Pública do Pará (SESPA) informou haver 1.095 óbitos e 11.479 casos confirmados do novo coronavírus (Sars-CoV-2) no estado. As estatísticas de mortos e enfermos, que à altura se encontravam em franca ascendente, serviram para que as autoridades públicas do Pará questionassem o comprometimento da população com as medidas de distanciamento social defendidas tanto pela Organização Mundial da Saúde (OMS) quanto por aquelas autoridades, como um dos únicos meios realmente eficazes para o combate à COVID-19.

Se, por um lado, é verdade que as estatísticas de óbitos e casos confirmados da COVID-19 no Pará são menores que as dos estados vizinhos – do Amazonas e do Maranhão, em números absolutos, e do Amapá, proporcionalmente –, por outro lado, há um indicativo nacional de subnotificação de casos da doença do qual o Pará não é exceção. A inexistência, até então, de políticas públicas de testagem em massa, associada a diversas outras dificuldades colocadas à caracterização da COVID-19 (sintomas correlatos à gripe e a demais doenças respiratórias comuns no verão amazônico, casos de mortalidade por causas múltiplas etc.), é determinante nesse sentido.

A preocupação com a estatística constituiu uma peça fundamental de uma nova arte de governar que se estabeleceu na Europa do século XVIII. Como nos ensina Michel Foucault, a nascente “governamentalidade” era pautada na necessidade de conhecer as pessoas que geravam riquezas, pagavam impostos, formavam a força de trabalho e poderiam ser convocadas para a guerra pelo Estado; em outras palavras, era preciso conhecer a população para governar, sendo a estatística um meio privilegiado para esse fim e uma manifestação do “biopoder”. Essa nova arte de governar favoreceu a produção sistemática diversos tipos de estatísticas: prática censitária que se mantém até hoje.

Em que pesem os estudos dedicados às diferentes dimensões sociais e cognitivas da morte, o nosso objeto aqui é refletir, especificamente, acerca das estatísticas de mortalidade: números geralmente fornecidos por fontes históricas com “vocação serial”, como registros paroquiais e civis de óbitos e sepultamentos, recenseamentos antigos e relatórios da administração pública. Trata-se de fontes que, sem prejuízo às suas especificidades, costumam ser massivas, relativamente homogêneas nas informações apresentadas e reiterativas. Apesar das potencialidades desses documentos, a historiografia assinala dois problemas na sua utilização por historiadores contemporâneos: 1) as constantes subnotificações; 2) os diferentes usos políticos feitos das estatísticas pelas autoridades públicas, tanto no passado quanto no presente.

As subnotificações, associadas a outros fatores, têm representado um limite colocado ao cálculo de variados indicadores de mortalidade e à elaboração das políticas públicas deles decorrentes – sobretudo, quando os contextos de produção desses indicadores são distintos e levam a distorções diversas –, entretanto, esse problema, sob determinado ponto de vista, pode ser contornado pelo diálogo entre diferentes fontes. Como um exemplo atual, os aumentos expressivos nos números de óbitos por doenças respiratórias e a sobremortalidade observados neste ano nas mais diferentes regiões brasileiras, em comparação aos mesmos períodos de 2019, evidenciam nitidamente a subnotificação de óbitos pelo novo coronavírus nas estatísticas oficiais, com enviesamentos distintos nas taxas de letalidade e de mortalidade da COVID-19 no país.

Além disso, ontem e hoje, os usos políticos dessas estatísticas vêm se relevando um comportamento característico. Quando a epidemia de cólera em Belém, nos meados do século XIX, vitimou parte expressiva da população da cidade e de algumas localidades do interior do Pará, as autoridades sanitárias da província, diferentemente de notórios epidemiologistas do período, associavam a maior disseminação da cólera a “condições somáticas”. Arthur Vianna, no clássico As Epidemias no Pará, de 1906, argumentava que “a moléstia buscava de preferência os índios, os pretos e os mestiços nos quais apresentava-se sob as formas mais graves”. A doença, assim, acabava por estigmatizar as camadas menos abastadas da população, às quais as autoridades sanitárias provinciais praticamente culpavam pelas suas condições insalubres de sobrevivência.

Nada parece mais atual do que o problema dos números. As estatísticas de mortalidade, assim como os usos políticos feitos delas em direções, muitas vezes, contrárias às recomendações da OMS e dos especialistas em saúde pública, marcam o panorama político do Brasil contemporâneo. A inusitada – e inoportuna – oposição entre autoridades públicas federais, estaduais e municipais, o desrespeito manifestadamente ideológico a medidas de distanciamento social e a desconsideração de noções de coletividade mesmo no contexto da mais severa crise sanitária, no Brasil, em um século... tudo isso guarda, em alguma medida, relação com as formas como as estatísticas de mortalidade da doença são registradas, divulgadas e interpretadas. Problematizar os números é um caminho para superarmos tantas falsas dicotomias.

quinta-feira, 7 de maio de 2020

A Bubônica: o teatro do progresso em Marques de Carvalho

Por Edilza Fontes (UFPA)

A Bubônica” foi encenada no Pará, em 1904, e publicada, no mesmo, ano na seção de obras de “A Província do Pará”. “A Bubônica” foi apresentada como uma revista de sucessos paraenses, em um ato e quatro quadros. Foi musicada pelo maestro paulista Dr. Assis Pacheco e o seu autor é João Marques de Carvalho.
Os personagens já expressam qual a função dessa obra de Marques de Carvalho. São 59 personagens e foi contextualizada para Belém do Pará no início do século XX. Foi impressa na oficina do jornal “A Província do Pará” e a companhia de operetas de Silva Pinto foi quem apresentou o espetáculo no Teatro Polytheama, no dia 11 de maio de 1904, mesmo ano da revolta da vacina no Rio de Janeiro.
João Marques de Carvalho já tinha escrito, em 1885, um ato chamado "Entre Parênteses", em uma revista de costumes, já havia escrito também "O Seringueiro", em 1898, e Hortência, onde o autor se assume como naturalista, escola que o autor queria representar na Amazônia. Marques de Carvalho apresentava-se como literato e é como tal que devemos analisar "A Bubônica": uma obra datada e repleta de significados e exemplos de uma coletividade de escritores que pensavam que a literatura dava oportunidade para expor e intervir na sociedade, defendendo um projeto de República e de Nação.
Marques de Carvalho é um literato do seu tempo, do tempo do velho intendente. Pensa a cidade como espaço de intervenção do poder público, inserido em um contexto de conflitos e procurava a intervir em um processo histórico que, hoje, podemos analisar como um projeto vinculado à seringa listas e a um projeto republicano excludente e oligárquica.
Nesse sentido, devemos ler "A Bubônica" como um texto político que se propõe a analisar os costumes do povo paraense, seus hábitos culturais e resistentes a um processo civilizatório.
Ler "A Bubônica", mais de um século depois, é pensar um texto que fez parte de um projeto político que se implantou no Pará. Não é um discurso, uma representação ou um imaginário. É um texto que expressa uma das formas de intervenção, nos embates políticos travados em Belém no início do século XX. O texto faz parte de uma data da leitura política dos hábitos e costumes paraenses, aliados a elementos de uma leitura médica e outro elemento que se somou, foi uma data leitura das necessidades exigidas pela modernidade para alcançar a civilização. Essa leitura de Marques de Carvalho indica como poder público leu e interpretou aspectos da cultura do povo no Pará. Essa forma de ver o mundo foi a base para a construção de políticas, visando erguer uma Belém “civilizada”. Ele pensava que era necessário, entre outras coisas, ter ações pedagógicas, educativas e esclarecedoras, voltadas para um povo repleto de heranças "primitivas", " condenáveis" e "incivilizadas".

terça-feira, 5 de maio de 2020

UNA SOCIEDAD FRENTE A UNA EPIDEMIA EN EL SIGLO XVIII EN LA NUEVA GALICIA. 1785-1787

Por: Celina Becerra (Universidad de Guadalajara)


¿Tienen algo en común las epidemias que se presentaban periódicamente durante el periodo colonial en Iberoamérica con la pandemia del Covid19 que enfrentamos hoy?
Las epidemias fueron comunes desde la antigüedad. Tras el descubrimiento de América viruela, tifo, sarampión y otras enfermedades producían brotes que recorrían gran parte del continente y diezmaban a la población. Su frecuencia e intensidad disminuyeron a finales del siglo XIX y la primera mitad del siglo XX a consecuencia de los avances científicos y médicos, de la extensión de las campañas de vacunación y de la mejoría en las condiciones de higiene en ciudades y el campo que dieron acceso a un mayor número de habitantes a servicios de agua potable, drenaje. Está claro que la educación influyó para desaparecer algunas de las enfermedades contagiosas como el tifo, la tuberculosis y otras.

En el siglo XVIII apenas iniciaba el camino de la medicina para buscar la causa de las enfermedades que repentinamente afectaban a gran parte de los habitantes de pueblos y las ciudades. En las últimas décadas de ese siglo los hombres de ciencias en Europa pensaban que el aire transportaba miasmas o corpúsculos tan pequeños que no eran visibles, que las trasmitían. Estas ideas empezaban a difundirse en América cuando en 1784 aparecieron enfermedades respiratorias y digestivas en la ciudad de México que llevaron a la muerte tres o cuatro veces más personas que el año anterior. En Guadalajara, cabecera del obispado del mismo nombre y capital del reino de la Nueva Galicia también se notó el aumento de entierros según los libros parroquiales. Algunas fuentes hablan de “fiebres catarrales” otras sólo de fiebres y otras de problemas grastro-intestinales.

Al año siguiente se le ha llamado “el año del habmbre” porque las cosechas fueron muy pobres y la escasez de maíz ocasionó el aumento de precios muy rápido Muchas familias tuvieron que reducir su consumo. Los ayuntamientos de las ciudades y villas, los obispos, las audiencias y el propio virrey tuvieron que buscar solución para la falta de granos entre la población, pero una nueva cosecha muy pobre en 1786 complicó aún más la situación. En resumen fueron tres años de mortalidad muy alta en la que los pobladores del campo se vieron obligados a marchar hacia villas y ciudades más grandes pensando que allí podrían encontrar alimento. En esta situación los habitantes de las capitales de obispados y reinos rechazaron abiertamente la llegada de gente hambrienta y enferma y llegaron a hablar de construir murallas para impedir su paso.

Después de este periodo de epidemia y hambre, la ciudad de Guadalajara no fue la misma. Su población aumentó notablemente por el gran número de migrantes que habían llegado del campo y no regresaron a sus lugares de origen. La traza urbana se modificó con la construcción de obras como un nuevo edificio de grandes proporciones para albergar el antiguo Hospital Real, además de crearse nuevos barrios hacia el norte donde el obispo Alcalde mandó construir casas y talleres para dar techo y trabajo al grupo muy numeroso de migrantes que habían llegado huyendo del hambre en sus pueblos de origen.
De acuerdo con las nuevas teorías, para eliminar la posibilidad de contagiar a la población El nuevo hospital y cementerio fueron construidos fuera de la traza urbana, en un punto donde los vientos ayudaban a alejar los miasmas de la ciudad.

segunda-feira, 4 de maio de 2020

Las epidemias de la época colonial y del siglo XIX en la Nueva España y México

Esse resumo é referente a live da professora Chantal Cramaussel (Colegio Michoacàn, México), que foi no dia 05.05.20, as 17:00h, facebook.com/gp.ruma

https://www.youtube.com/watch?v=SF0dhPixCKg&feature=youtu.be

La conquista europea vino acompañada de una catástrofe demográfica al traer los españoles al Nuevo Mundo virus y bacterias con las cuales los indios no habían estado en contacto. Desapareció 90% de la población india entre 1519 y 1650, en ese periodo fueron erradicados pueblos enteros. Durante el resto de la época colonial, no era extraño que las epidemias arrasaran con la cuarta parte de los habitantes de los pueblos, en ocasiones se moría incluso la tercera parte y en el peor de los casos hasta la mitad.

Las principales epidemias detectadas fueron de viruela, sarampión, tifo y tal vez influenza. Aparecían con mucha frecuencia, al menos una vez cada 10 años por lo que la población crecía muy lentamente. En el siglo XIX, hubo tres epidemias de cólera, una nueva enfermedad que recurrió el mundo, pero no causó tanta mortandad como las anteriores en México.

Los médicos ignoraban el origen de los males epidémicos, creían que se transportaban por el aire y los remedios que prescribían eran poco eficaces. Hasta que en 1804, en todo el imperio hispánico se difundió la vacuna contra la viruela (descubierta en Inglaterra en 1796) una medida que disminuyó mucho la cantidad de víctimas por esa enfermedad pero que no se administró con regularidad. Para el sarampión no hubo vacuna antes de 1963, el tifo y el cólera se combatieron con antibióticos hasta el siglo XX. Sin embargo, las epidemias fueron cada vez menos letales porque, aunque no todas causaban inmunidad, generación tras generación, los habitantes de la Nueva España y de México desarrollaron cada vez más resistencia en su acerbo genético.

sexta-feira, 24 de abril de 2020

Medo … temor … & pânico … em pandemias sucessivas

Por Jane Felipe Beltrão (UFPA)

vídeo em:
https://www.youtube.com/channel/UCku6jMkVku-g1atjk3j-QBQ?view_as=subscriber

Discutir medo, temor e pânico é meu objetivo, pois as autoridades sanitárias parecem ignorar o que acomete as pessoas em tempo de sucessivas pandemias, antes, durante e após o evento. O uso dos vocábulos e a sequência não é aleatória, ela me parece ser a ordem da surpresa diante daquilo que consideramos improvável!
Duas cenas diferenciam e separam a expressão da pandemia na Europa e na América Latina. A primeira diz respeito aos caminhões enfileirados, levando os corpos de italianos/as para longe. A segunda é a visão de Guaiaquil (Equador) devastada pela COVID-19 e os corpos espalhados pela cidade. A visão das cenas para muitas pessoas seria improvável. Ver o evento ao largo mete medo, gera temor, mas ainda não é o pânico. Olhar as covas enfileiradas e abertas em São Paulo, assusta! O pânico chega com os corpos de pessoas ceifadas pelo coronavirus, convivendo com os doentes, ainda com vida, em Manaus/Amazonas. O fato assuste aqueles/as que jamais ouviram as narrativas dos sobreviventes de Eldorado dos Carajás, o Massacre da Curva do “S”, que fez 24 anos dia 17 de abril de 2020.
As cenas me permitem deixar de lado as categorias e passar a discussão dos estados usando, como suporte de argumentação, as pandemias de Cólera dos séculos XIX (1855) e XX (1991) correlacionando-as à Pandemia COVID-19 que afetaram/a o mundo de forma avassaladora.
A História nos auxilia a percorrer caminhos que com o tempo somos levadas/os a olvidar, pois as gerações se sucedem e, a memória coletiva, “sabiamente” procura esquecer os acontecimentos considerados desagradáveis, os quais só voltam a emergir em momentos que a História “parece se repetir”. O coronavirus produz uma situação extrema sobre a qual algumas pessoas se recusam a enfrentar e, outras, por dever de ofício – historiadoras/es e antropólogas/os – insistem em recordar, pois as pandemias sempre ceifam a vida de muitas pessoas, acometem outras tantas pessoas e a disputa política se faz presente. Ontem, como hoje, as situações se assemelham guardadas as diferenças entre elas e o contexto em que se desenrolam.
Ofereço, agora, alguns elementos referentes as três pandemias, para que – guardadas as devidas proporções e os contextos – pensemos no medo e no terror do contágio que produz o pânico. Pânico incontrolável, pois a população não confia nas autoridades sanitárias, as quais carecem de credibilidade.
Nos três episódios mencionados, algumas questões se fazem presente.
1. As autoridades sanitárias, da província no século XIX; e da república no século XX e XXI negam o início do flagelo.
2. No século XIX e no século XXI não havia tratamento conhecido para pandemia. No século XX havia, mas as pessoas acometidas pela doença não acreditavam na possibilidade.
3. As autoridades-mores de saúde no século XIX, presidente da Junta de Higiene e nos séculos XX e XXI os Ministros da Saúde não foram poupados.
4. As pandemias não são democráticas, como se costuma dizer. Nos três eventos as classes perigosas – como se dizia no século XIX – foram/são as pessoas cujas vidas são precárias e não valem o luto, como ensina Judith Butler (2017).
Afinal,
“[a] dor é uma experiência terrível. Quem consegue atravessar e vencer essa barreira, torna-se mais forte e mais habilitado a dar o suporte necessário a quem nunca passou por uma tal experiência. A dor enfraquece o corpo, mas fortalece a alma. Habilita a mente a compreender realidades novas. A experiência de dor de uns pode ajudar a consolar e a superar a dor dos outros. A África sempre chorou na dor solitária de um continente. O coronavírus, covid 19, trouxe um choro de dimensão planetária. O mundo pode agora compreender a dor secular que os africanos sentiram pelos massacres e genocídios de outrora”. (Chiziane, 2020, sic.)

Para ler mais
Bardet, Jean-Pierre; Bourdelais, Patrice; Guillaume, Pierre; Lebrun, François & Quétel, Claude. 1988. Peurs et Yerreurs face à la contagion – Choléra, tuberculose, syphilis XIXe- XXe siècles. Paris: Librairie Arthème Fayard.
Beltrão, Jane Felipe. 2004. Cólera: o flagelo da Belém do Grão-Pará. Belém: UFPA/Goeldi.
Butler, Judith. 2015. Quadros de Guerra, quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
Chiziane, Pauline. 2020. “Carta a Nataniel Ngomane” In: Pessoa. Disponível em: https://www.revistapessoa.com/artigo/2990/carta-a-nataniel-ngomane?fbclid=IwAR0KT3avfSBD8IW32A9csxcx_0h8YIKjmd_LZcuA0XEyBGy7aPuOOCQIOGA. Acesso em: 21.abr.2020.
Garrett, Laurie. 1995. A próxima peste: as novas doenças de um mundo em desequilíbrio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.