sexta-feira, 10 de abril de 2020

Que Deus nos Proteja!!!

Por: Antonio Otaviano Vieira Junior (UFPA)

Ao longo dos séculos as epidemias foram tratadas por muitos religiosos como um castigo dos céus. Ainda hoje podemos encontrar discursos de bispos neopentecostais que associam a doença e o medo causado por ela como “tática de Satanás”, ou até mesmo ouvir o ministro da saúde mandar as pessoas lerem mais a Bíblia e assistirem menos noticiários. O presidente também fez jejum e pediu que a nação se integrasse nesse gesto de contrição.
Belém do Grão-Pará durante a epidemia de 1748-1750 assistiu o emergir de lamentações e flagelos públicos. O então bispo Miguel de Bulhões descreveu um cenário de “miséria, fome e pobreza, que depois da epidemia tem padecido esta terra...”. Os vereadores da cidade também correram no mesmo sentido, adjetivando o estado da cidade como “lamentável”. Em tempos da epidemia, a imagem da cidade era marcada pelo esforço de redenção de supostos pecados. Belém assistiu um número maior de novenas, missas, procissões, autoflagelos e emocionantes sermões. Rotina de penitências, incluindo jejuns, nas quais as ordens religiosas pareciam disputar quem teria maior capacidade de clamor e sacrifício para abrandar a fúria da epidemia. As imagens sagradas invadiram as ruas. Por exemplo, no dia 06 de outubro de 1748, Nossa Senhora de Belém, padroeira da cidade, andou sobre os ombros dos Cônegos da Sé. Ainda no mesmo dia, a imagem de Santa Ana foi carregada pelos beneficiados, Santo Antônio transportado pelos meninos do coro, São Sebastião por outros sacerdotes, e Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora dos Passos e São Francisco desfilaram com os membros da Ordem Terceira – estes últimos também se impuseram autoflagelo.
270 anos depois a mesma cidade, agora se confrontando com a Covid-19, é sobrevoada por um helicóptero conduzindo a imagem de Nossa Senhora de Nazaré para abençoar Belém diante da presença ameaçadora do novo coronavírus. Sobrevoo que recebeu o seguinte pedido de uma fiel: “Mãe passa na frente e dissipa essa mal que nos assola”.
Apesar da distância temporal podemos encontrar aproximações na forma com as pessoas se apegavam à fé para superar as dores e as incertezas causadas por ambas as doenças. Nos dias atuais a igreja católica ganha concorrentes neopentecostais que reivindicam também o direito de controle e compreensão da epidemia, mesmo que isso signifique minimizar seus impactos. Por exemplo, os governadores dos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo assistem nos tribunais uma disputa sobre a proibição de missas e cultos evangélicos durante o período de quarentena. Algumas igrejas, como a Universal Reino de Deus e Assembleia de Deus Vitoria em Cristo, desafiam as orientações da OMS e continuam abertas e incentivando aglomerações de seus fiéis numa vigília para o fim da Covid-19. E um dos seus bispos, Silas Malafaia, minimizou a gravidade da doença e disse que o povo brasileiro seria protegido pelo próprio DNA – seriamos um povo escolhido por Deus?
Nessa sexta-feira Santa, diante de tantas incertezas e formas de simplificar as possíveis causas e curas para atual pandemia que vivemos, peço a Deus que proteja nossos médicos e enfermeiros, nossos cientistas, nossos gerenciadores de crise e que acima de tudo nos ajude a não cair na tentação dos discursos de falsos profetas e de populistas. Que Deus nos proteja da tentação de irmos à padaria.

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